Autora: Renata Nieri Forastieri
Pedagoga, Psicopedagoga e Pós-graduanda em neurociência aplicada à educação
Vivemos em um momento histórico em que temos fácil acesso à informação e que com algum esforço essa se torna conhecimento. Num mundo em que a tecnologia avança em escala exponencial, quanto mais rápido processarmos todas as informações necessárias e nos apropriarmos do maior repertório de temas e fatos, maiores nossas chances de garantirmos “um lugarzinho ao sol”.
Contudo, precisamos pensar em como nossa mente assimila informações, as transforma em aprendizado, como um adulto, que tem um histórico pessoal de aprendizado e suas emoções, consegue elaborar um pensamento, flexibilizá-lo, tomar decisões, dirigir sua atenção e manter o foco em algo novo, e assim, orientar seu comportamento.
Sabemos que os neurônios sozinhos não são capazes de processar informações; precisam trabalhar em conjuntos, em agrupamentos, conectando diversas áreas cerebrais para que haja aprendizado. Circuitos neuronais que envolvem visão, audição, percepção, entre outros são ativados para iniciarmos o processo de aprendizagem. Numa primeira exposição a um tema, esses circuitos são fracos e somente ganharão reforço quando o sistema límbico (responsável pelas emoções) interferir, fortalecendo as conexões, para se tornarem mais duradouros. Nesse momento, pensemos no papel do adulto aprendente, repleto de experiências boas e ruins tanto no campo educacional quanto no profissional, e que, vê naquele momento de aprendizado, algo que vai tirá-lo da sua zona de conforto, mudar sua vida de alguma forma. O adulto, mas não exclusivamente ele, projeta suas emoções naquele ato e se sua experiência com a aprendizagem tiver sido negativa, muito provavelmente, ele será resistente a dar manutenção às novas conexões cerebrais, fazendo com que elas fiquem quase que adormecidas em um lugarzinho bem escondidinho do seu repertório de memórias. No entanto, se ele enxergar a experiência como oportunidade de adquirir conhecimento que vai ajudá-lo na sua vida diária, alguma coisa que surtirá ganho de alguma forma, seu sistema de recompensa entrará em jogo e uma carga de neurotransmissores responsáveis por esse sistema estará presente no processo de aprendizado, auxiliando-o no processo de memorização e reforçando o circuito responsável pela internalização de novos padrões.
Nosso cérebro tem a tendência a automatizar padrões, o que provoca automatismo da nossa percepção e no nosso comportamento. Essa automatização faz com que busquemos perceber e analisar as coisas sempre da mesma maneira. Ao mesmo tempo que isso é favorável para nós, seres humanos, pois temos respostas rápidas, sem muito esforço e gasto de energia e esforço mental, por outro lado, nos faz despender de tempo e energia quando queremos assimilar o novo. Logo, para que um novo circuito seja automatizado, precisamos expor nosso cérebro a novo treino, repetição e exposição à informação que se deseja aprender.
E nesse momento temos duas questões a serem consideradas: o desejo (ou não) de aprender e como fazê-lo. Conforme citamos anteriormente, o desejo de aprender, que envolve o sistema responsável pelas emoções, sistema límbico, é um forte aliado nesse processo, pois o cérebro que tem a tendência a agir por padrões, não faz esforço para reconhecer padrões novos de comportamento, a circuitaria tende a permanecer no status quo. É preciso alinhar a mudança de hábitos às emoções para que o apelo emocional seja forte o suficiente e gere mudança de comportamento. O desejo é a palavra-chave. Mas e quanto aos padrões? Bem, de posse dessas informações, aquele sujeito ensinante, deverá levar em consideração que o papel dele como mediador do conhecimento deve ser relevante o suficiente para que motive o aprendente a sair da automação e auxiliando-o a criar novas conexões, expondo o conteúdo a ser adquirido de diversas formas, a fim de correlacionar o novo com os padrões já estabelecidos na mente, reforçando a circuitaria neuronal e deixando-a mais forte, ao ponto de se tornar automatizada.
É claro que o mediador não faz isso sozinho, o papel do aprendente é de suma importância nesse processo e, inclusive, esse deverá se comprometer a revisitar os conteúdos em outros momentos para que ele mesmo seja ativo no seu processo de aprendizado. Entretanto, o que queremos deixar claro é que a aquisição de informações e conhecimento é um processo que deve ser pensado, elaborado e construído em parceria.
Na vida prática, o que vemos? Cada vez que uma empresa adota um sistema de gestão empresarial novo, a ansiedade acomete a maioria dos colaboradores, seja por temerem suas posições na empresa, seja por saberem que vão ter que passar por um processo adaptativo, que despende tempo e energia. Lembram-se do desejo? Muitas vezes esse colaborador não tem desejo de aprender. Aprender, requer atenção dirigida, sair do automático, cansa, gasta muita energia. E aquele sujeito que vai dar o “treinamento” para os clientes, quanto ele sabe sobre a história de vida de cada colega e o quanto conhece sobre a mente humana e como ela processa novos ensinamentos? Sem medo de errar, digo que quase nada.
Falamos muito sobre como as escolas ensinam, como o ensino não é compatível com a realidade da sociedade, etc. e isso, levando em consideração que os professores, bem ou mal, passaram por um processo educacional que tem como pré-requisito a licenciatura. Imaginem então, como funcionam os treinamentos nas empresas, com pessoas que, nem sempre, sabem transmitir conhecimento, construí-lo junto com os colaboradores.
Reclama-se muito de falta de unificação de informação dentro de corporações, mas esquece-se de que aquelas pessoas que estão atrás das mesas, também são estudantes, também precisam de mediadores que os ajudem a gerar aprendizado. Vemos sessões de treinamentos de assuntos de exímia importância, acontecendo ao longo de um dia inteiro, longas horas de aulas expositivas, pouco práticas, com pouca, ou nenhuma chance de revisitar os conteúdos de formas variadas para que a informação seja internalizada, para que o cérebro trace caminhos e conexões que gere um repertório sólido, e ainda ao término dessas sessões delega-se o entendimento para o funcionário. “Pronto, Fulano já passou pelo treinamento, agora tem a obrigação de trabalhar direito”. Ufa, que peso tirado do ombro das empresas. De nada, ou quase nada, serve entrar em contato com um tema somente durante os treinamentos. Aquilo que é fundamental para o bom desempenho do colaborador precisa ser apresentado, de novo, de formas variadas, para que esse possa desempenhar seu papel com segurança e automatizado, sem deixar de lado a importância do vínculo estabelecido entre o encarregado do “treinamento” com os “treinandos”.
Percebemos que não são só as escolas que precisam de nova didática. As empresas também têm o papel de formar cidadãos e podem fazê-lo com consistência. Ciências como a pedagogia, e nesse contexto, a andragogia que cuida de como o adulto aprende, a psicopedagogia, a psicologia, as neurociências atuam fortemente nesse quesito auxiliando docentes e discentes nesse processo de aquisição de novos conhecimentos, de aprendizagem. Aprender não deve ser doido, pelo contrário, pode e deve ser muito prazeroso, aprender ajuda o nosso cérebro a se manter vivo e saudável.
Referências Bibliográficas
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IZQUIERDO, Ivan: Memória. Porto Alegre: Artmed, 2011
LENT, Roberto: Cem bilhões de neurônios?: conceitos fundamentais de neurociência. São Paulo: Editora Atheneu, 2010
___________ Neurociência do corpo e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019
PAIN, Sara: Subjetividade e objetividade: Relação entre o desejo e a aprendizagem. 2 ed. Petrópolis, RJ: 2012
PICHON-RIVIERE, Enrique: Teoria do vínculo. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007
TIEPPO, Carla: Uma viagem pelo cérebro: a via rápida para entender neurociência. São Paulo: Conectomus, 2019
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